quarta-feira, 1 de abril de 2009

O MOVIMENTO DOS PIONEIROS E OS SEUS IDEAIS


O movimento dos pioneiros, encabeçado por Fernando de Azevedo e por mais 26 educadores, levantou a bandeira contra a escola elitista e o modelo acadêmico tradicional patrocinado pela Igreja Católica que o monopolizava. Tal atitude revolucionária levantou discussões acaloradas entre os educadores envolvidos e os setores conservadores católicos, para os quais apenas a educação baseada na doutrina cristã era verdadeira. O Manifesto dos Pioneiros representa uma ação vigorosa e corajosa contra a arbitrariedade do ensino confessional católico elitista e fomentador da desigualdade social, bem como uma resposta à necessidade de reformas educacionais urgentes que se coadunassem com os ideais da Democracia e da modernidade.


Segundo Aranha e Helena Bomeny, o documento elenca algumas idéias importantes para o processo educacional, são elas:

A educação obrigatória, pública, gratuita e leiga como um dever do Estado, a ser implantada em programa de âmbito nacional. Critica o sistema dual, que destina uma escola para os ricos e outra para os pobres, reivindicando a escola básica única.1

Ao ser lançado, em meio ao processo de reordenação política resultante da Revolução de 30, o documento se tornou o marco inaugural do projeto de renovação educacional do país. Além de constatar a desorganização do aparelho escolar, propunha que o Estado organizasse um plano geral de educação e defendia a bandeira de uma escola única, pública, laica, obrigatória e gratuita.2


Na visão dos educadores reformistas, a escola devia sofrer um processo de laicização e todas as camadas da sociedade deveriam ser beneficiadas por tais transformações. O"otimismo pedagógico" que norteava as ações de oposição à caducidade do sistema vigente era influenciado pela necessidade de adequação aos aspectos desenvolvimentistas perceptíveis no início do Século XX, pelo Pragmatismo de John Dewey, do qual Anísio Teixeira, um dos intelectuais do movimento sorveu a longos haustos e também pelas teorias positivistas de Durkheime.


No Manifesto dos Pioneiros, redigido pelos intelectuais brasileiros insatisfeitos com o cenário de indiferentismo do Governo Federal diante das questões educacionais de então, estavam escritas as principais idéias e princípios para pressionar os mandatários da nação a implementar um plano educacional que atendesse às exigências da modernidade e aos princípios constitucionais democráticos de igualdade, sem acepções. Além disso, também reivindicou a destinação das verbas públicas para a escola pública, e não para as instituições privadas.


Estas discussões acaloradas sobre o papel do Estado nas questões educacionais possibilitaram, ainda que modestamente, um avanço para as aspirações idealistas nutridas pelos intelectuais envolvidos com os movimentos sociais que reivindicavam mudanças estruturais drásticas que permitiram um sério diálogo com os diversos setores da sociedade à época. O Manifesto ganhou repercussão ao ser publicado na mídia não especializada em 1932, e rapidamente tornou-se público em todas as esferas sociais, como nos diz Paschoal Lemme:

O Manifesto apareceu na imprensa diária, não especializada, em março de 1932. Posteriormente, em junho desse mesmo ano, foi publicado um volume pela Companhia Editora Nacional, de São Paulo, precedido de uma introdução redigida por Fernando de Azevedo e seguida por algumas apreciações críticas de vários comentaristas e por um Esboço de um Programa Educacional Extraído do Manifesto, em dez itens.3

Além de Paschoal Lemme, Rosimar Serena Siqueira Esquinsani, em artigo, faz menção à cobertura da imprensa nacional e regional sobre os embates entre os intelectuais do Manifesto e os setores da Igreja Católica contrários às idéias inovadoras e reformuladoras do movimento batizado como Escola nova, ela escreve:

Em meio a esses fatos, a imprensa nacional, e sul-rio-grandense em especial, “deliciou-se” com dezenas de artigos noticiando o andamento dos debates, expondo opiniões dos envolvidos, abrindo espaço para pronunciamentos sobre o assunto, enfim, produzindo um rico material e legando ao futuro a possibilidade de análise e participação no “caso”. 4


OBJETIVOS ALCANÇADOS

Depois deste período de acirradas escaramuças entre os personagens envolvidos na questão, ou seja, de um lado os líderes do Movimento dos Pioneiros e do outro os setores conservadores da Igreja, ocorreu a promulgação da Constituição de 1934, que em parte respondeu aos clamores e anseios daquela época. Se analisarmos o texto outorgado pela Constituição, perceberemos que as pressões dos intelectuais influenciaram a sua redação, porque os artigos da carta, a saber: o Art.149 e o Art.156 correspondem exatamente aos objetivos pretendidos pelos Pioneiros, ou seja, um ensino público, laico, obrigatório e gratuito patrocinado e custeado pelo Estado. Para efeito de comparação, vejamos alguns itens levantados por Paschoal Lemme extraídos de sua análise do Manifesto:

a) a educação é considerada, em todos os seus graus, como uma função social e um serviço essencialmente público que o Estado é chamado a realizar com a cooperação de todas as instituições sociais;

b) cabe aos Estados federados organizar, custear e ministrar o ensino em todos os graus, de acordo com os princípios e as normas gerais estabelecidos na Constituição e, em leis ordinárias pela União, a que competem a educação na capital do País, uma ação supletiva onde quer que haja deficiência de meios e a ação fiscalizadora, coordenada e estimulada pelo Ministério da Educação;

c) o sistema escolar deve ser estabelecido nas bases de uma educação integral; em comum para os alunos de um e outro sexo e de acordo com suas aptidões naturais; única para todos e leiga, sendo a educação primária gratuita e obrigatória; o ensino deve tender gradativamente à obrigatoriedade até 18 anos e à gratuidade em todos os graus. 5


OS RETROCESSOS DE 1937


Apesar de todas as lutas e oposições sofridas pelos pioneiros do movimento Escola Nova para por em prática os seus projetos pedagógicos inovadores e do êxito parcial conquistado com a inserção de suas propostas educacionais nos artigos constitucionais da Carta Magna de 1934, que não foram cumpridos na íntegra, os intelectuais enfrentaram os revezes do período ditatorial do governo de Getúlio Vargas denominado Estado Novo.

Neste período de grande conturbação e repressão impingidas pelo autoritarismo getulista, muitas conquistas amealhadas em 34 foram varridas para baixo do tapete e uma nova Carta Constitucional que ignorava os direitos anteriormente assegurados foi outorgada. A nova constituição eximia o governo de aplicar recursos à educação bem como consolidava a desigualdade social e a exclusão das camadas mais pobres da sociedade a um ensino igualitário e de qualidade. O governo de Getúlio Vargas deu maior ênfase ao ensino particular, eximindo-se assim do papel de mantenedor da educação pública gratuita. Priorizou um ensino segmentado em classes distintas, perpetuando a segregação e a discriminação das parcelas desprivilegiadas da população. Vejamos o que nos diz Veronese e Vieira:

Concedeu-se grande privilégio ao ensino particular. Exemplo disso é a subsidiariedade do ensino público em relação ao ensino privado. A preferência pelo ensino particular demonstrava a intenção do governo getulista em se eximir da responsabilidade no que tange à matéria educacional. A educação tornara-se, deste modo, responsabilidade exclusiva das famílias e da sociedade civil. No texto constitucional não havia nenhuma indicação de recursos a serem utilizados pela União e pelos Estados na criação e manutenção dos sistemas de ensino. Para que os objetivos político-econômicos da gestão de Getúlio Vargas fossem plenamente realizáveis, deu-se preferência ao ensino profissionalizante das classes menos favorecidas. Esta “preferência” demonstrava uma política educacional totalmente discriminatória: aos pobres era oferecido ensino profissionalizante e aos ricos cabia o privilégio de freqüentar uma escola secundária voltada à formação intelectual da elite. Depreendesse da leitura do art. 129 da Constituição de 1937 a opção pela distinção na educação de ricos e pobres.6

A Ditadura Militar, como temos visto, criou profundos entraves aos processos democráticos e educacionais brasileiros, impossibilitando que o país avançasse no que diz respeito à produção do conhecimento e desenvolvimento de um projeto palpável e eficaz de ensino que alavancasse a sociedade, sobretudo, dos excluídos das camadas mais pobres aos mecanismos de ruptura dos laços do ostracismo cultural herdado de nosso passado colonial de subserviência e dominação portuguesa.

BIBLIOGRAFIA:

1 ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. Historia da Educação. Ed.rev.atual. São Paulo:
Moderna, 1996.


2 BOMENY, Helena. O "Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova. Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova e suas Repercussões na Realidade Educacional Brasileira. Disponível em:< %20acessado%20em%2013/03/2009">http://www.cpdoc.fgv.br/nav_jk/htm/jk_main.htm/%20>%20acessado%20em%2013/03/2009

4ESQUINSANI, Rosimar Serena Siqueira. A Recepção Regional ao Debate que Precedeu a LDB 4.024/1961. Disponível em: <http://www.smec.salvador.bahia.gov.br/> Acessado em: 14/03/2009.


3LEMME, Paschoal. O "Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova. R. Bras.Est.Ped, Brasília, v.86, n.212,p.173, Jan./abr. 2005.Disponível em:
<%20Acessado%20em:%2013/03/2009">http://www.inep.gov.br/download/70Anos/Texto_Paschoal_Lemme.pdf%20>%20Acessado%20em:%2013/03/2009


5LEMME, op.cit. p.174.


6 VERONESE, Josiane Rose Petry; VIEIRA, Cleverton Elias. A Educação Básica na Legislação Brasileira. Seqüência, Santa Catarina, v.47, p.104, 2006. Disponível em: www.buscalegis.ufsc.br/revistas/index.php/sequencia/article/view/1245/1241> Acessado em: 14/03/2009.

REFLEXÕES EM FREIRE II

Paulo Freire, em linhas gerais, usa um discurso pedagógico que revela a realidade em que vivem os dominados, ou seja, em seu estado de mais completa subserviência e inação diante dos discursos ideológicos, e da manipulação descarada dos dominadores perpetuando o seu status quo numa sociedade de oprimidos e explorados.

Os discursos nessa sociedade dissonante e moldada por entraves sócio-culturais não resolvidos esbarram numa problemática canhestra e ao mesmo tempo sórdida que mascara intenções e maquia os verdadeiros interesses por trás dos propósitos institucionais vigentes. Diante deste quadro de prestidigitação e engodo erguido e insuflado pelos detentores do suposto ‘saber’, levantam-se vozes firmes, quase proféticas, para levantar a mão corajosamente e dizer na cara dos falastrões dessa elite hipócrita que a educação só é possível quando destituída de pressupostos de raça, de posição, de estirpe, de elitismos, etc. Porque o saber se dá e se processa em comunhão e no reconhecimento de que todos fazem parte de uma fraternidade, de uma confraria de destituídos de si mesmos, de sonhadores libertários.

Um dos primeiros aspectos da dominação perpetrados pelos homens sobre os outros homens se inicia na domesticação das mentalidades com o único propósito de anular a própria vontade do individuo de querer a mudança para si mesmo. Os mecanismos usados para tal empreitada encontram-se disfarçados no falso discurso que pressupõe que o ato de criticar ou se opor a determinado sistema de idéias estabelecido é uma subversão, um levante sedicioso ao poder vigente ou a autoridade vigente.

Este aspecto tão aviltante do controle exercido por uns sobre outros é perceptível na conjuntura dos tempos, sobretudo, em um sistema educacional que devido a sua caducidade e anacronismo, persiste em manter os indivíduos marionetizados e inteiramente à mercê de sua própria inabilidade para lidar com questões que envolvam certa criticidade ou pensamento de oposição diante do que não concordam.

A anulação das consciências através de maneirismos e estratagemas perfeitamente urdidos com um intuito de impedir que os homens pensem é um fato inegável corroborado pelos métodos de educar reprodutivistas e pela ação daqueles que, julgando-se educadores, transportam seu habitus adquirido ao longo de todo o seu processo de ensino para criar uma geração de anencéfalos funcionais, que por não saberem pensar, tornam-se os idiotas úteis que mantém em funcionamento as engrenagens da involução cultural e do medo de se colocar como indivíduo que faz e que é em um sentido mais amplo de existir como pessoa humana.

Este existir em seu sentido mais lato só acontece quando não se tem medo da liberdade, de dizer o que se pensa, ainda que este pensamento deixe chocados a muitos e atraia a intransigência de outros por seu radicalismo e contundência. Para Paulo Freire, ser crítico é não ter medo da liberdade, mas sim posicionar-se com consciência diante dos grandes desafios que estão diante de nós.

Para ele a conscientização, diferente do que pensam os arautos do não pensar, é o caminho que conduz a libertação dos extremismos e fundamentalismos exacerbados. Quanto mais conscienciosos são os homens, quanto menos ufanistas e fanáticos serão. Freire ( 1987, p12) declara: “Na verdade, porém, não é a conscientização que pode levar o povo à “fanatismos destrutivos”. Pelo contrário, a conscientização, que lhe possibilita inserir-se no processo histórico, como sujeito, evita os fanatismos e o inscreve na busca de sua afirmação”.
FLEIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido.17 .ed.Rio de Janeiro, Paz e Terra,1987.

DILEMAS EDUCACIONAIS

Por que participar dos processos educacionais se os mesmos são determinados por manipulação para perpetuar a condição de poder e a desigualdade? Esta é uma pergunta assaz emblemática, porque encerra uma questão ainda não resolvida em nosso país e que diz respeito ao modo como a educação é perpetuada pelas elites com a simples finalidade de reproduzir apenas um modelo de dominação e controle sobre as massas.

O fato de existirem classes sociais dominantes e desigualdade em nossa pátria reforça o argumento de que muitas ações governamentais são apenas uma cortina de fumaça que visam, ipsis literis, contribuir para a domesticação do povo e a repetição dos mecanismos de poder que embargam o desenvolvimento; e,que, por sua vez criam estorvos à emancipação dos indivíduos das malhas do sistema.

Mas, a questão que se levanta como objeção maior é: por que participamos da educação se ela está atrelada a estruturas despóticas que cultuam o atraso e a subserviência das plebes? É momentoso questionar e problematizar essas causas devido ao grau de verdade que elas encerram quando nos alertam da existência de um complô à liberdade e à ascensão dos indivíduos a condições melhores de desenvolvimento intelectual, social e econômico. No entanto, é importante destacar que a participação de todos nós envolve uma questão norteadora e indivisível como disse Freire: “A educação é inevitável”.

Quando encaramos por esse prisma a questão educacional vigente, levantamos uma outra objeção que por seu escopo de argüição e confronto com a realidade abre as portas para um debate consciente que nos leva a idéia tênue de que podemos reinventar a educação nos nossos moldes, ou seja, resignificá-la de maneira mais humana, menos mecanicista e despótica. Isto porque sonhamos ainda com um modelo libertário de ensino que capacite os homens a pensar e viverem sob a égide da liberdade. Não é utópico pensar dessa maneira e, nem tampouco, contraditório afirmar que podemos criar um novo mundo onde a educação sirva ao homem e não o homem a ela.

Precisamos desmistificar ou dessacralizar a educação colocando-a ao nível humano e não considerando-a uma divindade de adoração inalcançável e tirânica que cria ilusões utópicas nos indivíduos e os marionetiza para serem meros reprodutores do sistema ou os “idiotas úteis” do intricado jogo social onde as cartas já estão marcadas de antemão. Na verdade, precisamos descer a educação dos altares sistêmicos da dominação e dos andores sórdidos da ideologia despótica que avilta e tira dos homens a possibilidade de serem eles mesmos num universo de ações transformadoras. Os idola formadores de ilusões precisam ser derrubados de seu pedestal e os processos de aquisição de conhecimento demitificados para atenderem a realidade de se estar mundo e de se fazer parte dele como ator.

Os processos para a aquisição de tais possibilidades certamente esbarrará em muitas barreiras ideológicas e interesses contrários às mudanças. Todavia, a luta contra esses agentes deve ser mantida até o fim como uma forma de contestação e reconhecimento de que sem lutas ou oposição, a vitória se torna inglória e sem razão.